sábado, 9 de dezembro de 2017

Rua Quitanduba, 45

Eu tinha 16 anos e achava que sabia tudo da vida, já que sempre fui metida a sabichona. Segundo ano do colegial, no Colégio Costa Manso, andava pra cima e pra baixo com o vovô, meu melhor amigo da época. Um dia fui fazer uma maquete na casa do vovô e o espertinho contou para o melhor amigo dele que eu estaria lá, o então amigo chegou e eu fiquei louca da cabeça, meudeusdocéu vem cá. Dezesseis anos, sabe? Malhação total. Pois bem: eu me apaixonei não só pelo amigo do meu melhor amigo. eu me apaixonei pela família inteira. Estamos em novembro de 2003.  Eu não gostava de criança e conheci a Beatriz, 03 anos (perdidamente apaixonada parte 01). Conheci a Ciça, 12 anos. A Rose, 36 anos. O Thiago, 14 anos, a Bruna, 14 anos. Rê do alto de seus 18 anos. Sabe quantas vezes a gente viveu nessa configuração de pessoas todas juntas dentro de um sobrado simples da Vila Sonia?

Logo de cara eu entrei no amigo do secreto da família, passei ano novo, depois vieram os aniversários todos, todos mesmo, porque a gente não se desgrudava. A gente fazia faxina juntos e depois cada um ajudava no almoço e era sempre uma briga pra quem ia lavar a louça. Essa casa, a casa da Quitanduba, n° 45, foi por muitos dias o lugar mais acolhedor que eu tinha naquela fase da minha vida. Ontem passei pela rua, passei em frente a casa e eu sei que nunca mais vou esquecer de tudo que passei ali.

Já chorei sentada naquela escada, brinquei numa piscina pequena de plástico cantando cantiga com a Bia, foi lá naquela casa que eu aprendi a tomar cerveja. Lembro de achar o gosto horroroso e a Rose insistir dizendo que no começo é assim mesmo. Os primeiros porres seguidos por banho de mangueira. Foi lá que eu aprendi o que é sentir ressaca, o que é se sentir parte de uma família. Não tinha whatassap, o Orkut e o MSN começavam a dar as caras. Era apenas um computador pra dividir entre mil pessoas e era cada arranca rabo que saia.

Na casa da Quitanduba eu vivi os piores dias de ciúme de toda a minha vida. Eu amava e odiava aquele lugar com muita força. O frio na barriga começava dentro do ônibus. Eu sabia, disso eu sabia mesmo, que aqueles momentos ali seriam marcados para sempre. E não é à toa que até hoje eles são meus queridos amigos, desses que a gente pode abrir o coração e a mente louca sem medo de ser julgada. O que dizer da Rose? Rose-mãe-de-todos. Linda, loira, dona de um par de olhos verdes incomparáveis. Mas sabe o que mais? A Rose ouvia MPB e era meio hippie, ela destrinchava os piores problemas (alô adolescência!) de uma maneira acolhedora, ela ouvia histórias tórridas de amor de toda essa galera e tinha humor pra ainda assim fazer pipoca pra todo mundo e colocar a casa em silêncio para assistir filme. Rose era um exemplo pra mim, pra todos nós. Todos os dias acordava, se arrumava, pegava a Bia pra levar pra escola, voltava na hora do almoço e dava conta de tudo, eram 3 adolescentes filhos dela, mais as agregadas e as sobrinhas. E a casa vivia de porta aberta, ia chegando gente, saia gente, depois chegava o resto da turma e eu nunca ouvi reclamação de encheção de saco. Tô falando que era Malhação da vida real.

Teve Copa do Mundo na casa da Quitanduba. Teve muita música, também. Era o Thiago tocando Legião Urbana igual louco no violão, era o Diego que colocava o Rappa num looping desgraçado, a Bia que queria ver o filme das princesas 70x por dia. A Ciça pelo menos usava o fone, Ciça é um doce, sabe? Eu e a Rê comandávamos os forrós e as gritarias e a gente começou a se amar desde a primeira vez que nos vimos. Oi você é a prima mais velha, né? Sim, e pela risada você é a Nathy, né?

Ai a gente descobriu o DVD da Ana Carolina com o Seu Jorge e novamente ficamos loucos da cabeça. Sabe quantas vezes eu ouvi e cantei e chorei e ri e tomei cerveja ouvindo a Ana tocar pandeiro? A gente cantava "Sina" a plenos pulmões e a casa não era tão grande, mas acomodava todo mundo de maneira exemplar.

E os quadros na parede? Os quadros, a lousa da cozinha, o quartinho da bagunça, os brinquedos da pussazor espalhados pela sala. Era um quarto grande e lembro de ter dor de barriga de tanto rir das palhaçadas dos meninos. A varanda...

A varanda era o canto de parar pra pensar na vida. Será que vou passar no vestibular? Será que eu vou casar com esse namorado? Será que se a gente terminar a Bia um dia vai lembrar de mim? Será que se eu alisar o meu cabelo vai ficar bom? Será que eu trouxe o passe pra pegar o Guaraú na volta?

Um dia a Rose anunciou que o dono ia subir o preço do aluguel e eles teriam que sair de lá. Choro geral. A minha sorte foi que no meio desse rolo todo da mudança, eu tinha terminado o meu namoro ioiô e na fase final da casinha eu não estava presente. Melhor assim. Mesmo depois da mudança, a gente ia lá na Quitanduba só pra matar a saudade, só pra querer dar sequencia numa fase muito boa, linda e especial que pra todo mundo tinha acabado. A vida segue e os ciclos se fecham. Só que agora é muito mais fácil pensar nisso, na época foi dureza. Era a nossa casa! Minha mãe morria de ciúme, dizia pra eu me mudar de vez (e vontade não me faltava). a configuração era toda muito maravilhosa!

Minhas amigas reclamavam que eu só falava disso, que eu só pensava em ir no Dipirá tomar pinguinha de 1,00 e ouvir MPB e muy descolada que era jogava a blusa em cima do orelhão e deixava lá a noite toda (ai porque, né? adolescente.)

A casa da Quitanduba guarda tantas histórias que se fosse pra escrever um livro daria para escrever bons capítulos com tudo o que vivemos ali.

A vida é essa caixinha de surpresa e a gente cruza com pessoas que se tornam essenciais na nossa vida, costuramos relações sem saber quão profundas elas podem ser.

Quitanduba para sempre em nossos corações.













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