quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Haja coração

esse quase é que me mata!

Hoje fui mandar parabéns pra uma amiga no Facebook e comecei a chorar. Estava assistindo o Saia Justa e quase beijei a televisão quando vi um cão salsicha na tela. Não é TPM, não é carência. É saudade. Uma saudade grande, funda e boba como até então era desconhecida por mim mesma.

Eu sou ansiosa e corto um dobrado pra dar conta de não me atropelar, sofrer por antecipação etc e tal. Mas ontem o Sidnei chegou em casa chateado, ansioso, deitou no chão e ficou calado pensando na vida. Ele que é adepto do deboísmo, ele que tem o ritmo menos acelerado que o meu. Então bate uma sensação de como se estivéssemos  participando do BBB, e quem já viu o programa sabe como é que o reality fica sem graça nas últimas semanas. Os participantes não aguentam mais, Pedro Bial desce o verbo acelerando a todo momento e comentando a chegada da grande final. E eu me sinto chegando nessa grande final onde cada abraço amigo que eu vou dar vale o meio milhão.

É uma loucura tudo isso. De um lado os novos amigos, o cotidiano simples, as comidas, o chiado do inglês que nem assusta mais, as crianças na ONG me perguntando se vou embora pra sempre. Nunca é fácil dizer adeus. De outro, é mais um vídeo de baile que a gente vê e conta os segundos pra tá junto com o pessoal, é saber que ao desembarcar do avião vai rolar pastel e caldo de cana na feira, é a certeza de poder ver meu Tutu tocar, participar dos aniversários de todos esses meus amigos, é passar no Extra pra comprar cerveja, grudar na Diná até ela entender e sentir que eu voltei. É sentir o cheiro odioso do cigarro da minha mãe e adorar!

 Mas Nathy, ainda faltam 3 semanas, caramba!

Faltam 3 semanas, e é isso que a gente não consegue mais segurar. É uma mistura de saber que a vida vai mudar completamente em pouco tempo, é ter que montar caixa e embalar tudo o que der pra levar, mas pensando o que faremos nos primeiros dias quando chegarmos lá. Como é que vamos enxergar aquela velha São Paulo? Os tempos de crise, o #ForaTemer diário, o desemprego, mas é acima de tudo saber que logo mais estaremos em Terra Brasilis, ah meu país eu te amo demais!

O corpo vai se dividindo. Enquanto faço uma jantinha esperta minha cabeça tá em São Paulo. O outono chegou na Inglaterra e sinto o vento frio quando a noite chega, mas penso que o horário maravilhoso de verão tá chegando lá e mal posso esperar pra usar todos os meus vestidos que ficaram guardados. É quase verão de novo, porra!

 Ainda tem um tempo pela frente e eu tô tentando me segurar, finalizar tudo bem direitinho, firmar o que ainda tem para ser firmado, mas a ficha já vem caindo. E morar fora do país é tão profundo pra nós que essa saudade, essa singularidade toda de se ver fora de uma vida que está quase voltando me deixa sensível. 

Mandei o Feliz Aniversário e comecei a chorar. Um chorinho com sensação de "Tá acabando, segura firme", mas não sem chorar também por "Caralho Inglaterra, mano e agora? Agora que fizemos uma amizade a gente vai se separar, tá?".


quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Eu, Faxineira

                            "o máximo que eu pago é 6 libra a hora, mas minha casa é bem pequena"    


A vida ganha novos significados à medida em que é posta à prova. E eu vim para a Inglaterra decidida a fazer o que tivesse que ser feito para descolar alguns pounds e aprender a falar inglês. Foi assim no trabalho voluntario, foi assim pesquisando links e links na internet sobre colleges e foi assim quando rolou a primeira faxina.

Eu adoro limpar a casa, mas a  parada muda de figura quando você passa a ser responsável pela limpeza da casa dos outros. Esse lance de "ai mas eu fiz faculdade para limpar a privada alheia", já caiu por terra quando bati forte no peito dizendo que seria vendedora de roupas caso precisasse ser. O dinheiro sempre chega quando você se movimenta. Eu não me sinto nem um pouco humilhada em fazer faxina aqui, de verdade mesmo. E como jornalista tem uma parte desse trabalho que é poder viver um pouco a vida daqueles que moram ali. Ao invés de fazer uma matéria, você entra na vida literalmente daquela pessoa, sabendo como ela mora, como guarda as coisas na geladeira, como dorme e como caga.

Essa parte com certeza é a melhor de todo o trabalho pesado que começa logo no começo. De cara, cozinha e banheiro são as partes mais importantes das casas e é justamente onde as "patroas" querem entrar e sentir o cheiro da limpeza, o brilho dos azulejos, as paredes sem gordura e etc. E eu não hesito em trabalhar com perfeição. Mas as minhas costas reclamam no final do dia. E ainda tem a parte que nunca falha de, apesar de não me sentir humilhada, saber que sou parte da máquina da exploração capitalista. Mas é exploração mesmo: no Brasil as faxineiras chegam cedo e saem à tarde e têm tempo para realizar o trabalho. Aqui eles pagam por horas, geralmente 2 horas por dia, as casas são muito grandes, e como a pegada da cidade é outra, tem o agravante da dona da casa acompanhar literalmente a faxina. Então eu tenho 2 horas para limpar cada cômodo de um sobrado enorme com uma mulher no meu pescoço acelerando meus passos. Imagina a vida de quem precisa fazer 4 casas por dia pra no final do mês conseguir pagar o aluguel?

Se o dinheiro vale a pena? Sempre vale ter dinheiro para gastar com o que você quiser, mas pensando friamente, o trabalho das faxineiras é desvalorizado e agora eu entendo quando a minha faxineira lá do Brasil me contava seus causos. É foda.  O filme que Horas ela Volta? vai passando na minha cabeça. O cara te oferece água com um ar de "olha só como eu sou legal", mas não dá uma libra a mais se você ficar 40 minutos a mais finalizando a parada. E tem os mais drásticos que ao badalar das 15h simplesmente pedem pra eu parar aquilo ali e ir embora. Nem mais 10 centavos, nem mais um minuto. Get out. Eu me sinto naquele filme do Chaplin em que ele sai apertando botões sem nem saber mais o que está fazendo.

Como eu disse: a vida ganha um novo significado à medida em que é posta a prova. Eu ali esfregando o rejunte do box na casa de uma família Paquistanesa, e sentindo uma coisa forte de que eu posso fazer o que eu quiser com a minha vida, que sempre vou dar um jeito por mais puxado que seja. Sinto vergonha das tantas vezes em que ao ver que a faxineira tinha acabado de lavar a louça eu pegava um café e "deixava só mais um copinho". Ou em relembrar quantas vezes já ouvi "amanhã a faxineira vai vir então não vou nem tirar esse prato daqui, to pagando mesmo". A exploração é foda porque quem explora às vezes nem se da conta disso e o explorado acha que ele tem a obrigação de lavar 5x a pia se precisar porque, ora, eles está sendo pago para isso. Será? Será que esse lance de vou sair do Brasil e ser faxineira fora porque pelo menos ganharei em Dólar ou Euro vale a pena realmente?

Avanço pro vidro do box e me deparo com um papel grudado com durex: "Cante para Allah enquanto toma banho". Caraca! Quando na minha vida poderia imaginar que estaria vivendo isso? A vida é foda, mesmo no esforço, mesmo suada e com fome. Tento interpretar a oração da hora do banho que está em inglês e paquistanês. Do banheiro escuto a dona da casa deitada na cama assistindo algum programa em árabe e penso como a minha vida é mais interessante que a dela que não tem cor, não tem caipirinha, não tem nada além de servir ao seu marido e se preocupar com o calendário de afazeres que a "cleaner" tem para fazer até.... dezembro!

Na sala, empurro os enormes narguiles para esfregar o chão. Não sei se todo mundo sabe, mas na Inglaterra não tem rodo o que dificulta 4x mais a tarefa de limpar o chão. O "mopy", um esfregão daqueles que o povo usa no Mcdonalds, vem com um balde acoplado e para secar o chão tem que torcê-lo um milhão de vezes. Peço arrego e pergunto se ela tem algum pano de chão. Então a dona da casa solta a informação que tem vários ali guardados no armário, que na Tanzânia, seu país de origem, todo mundo faz a faxina com rodo e pano de chão, e que ela foi faxineira a vida toda. Então tá explicado, né? "Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor", já setenciou Paulo Freire. Era por isso que ela acompanhava com tanto afinco cada passo que eu dava. Era quase uma espectadora assistindo seu programa de televisão favorito. Finalmente a sala de jantar já está perfeita. Na janela da sala, mais um papelzinho grudado; "100 maneiras de dizer Allah". E novamente eu pensando: isso aqui é experiência de vida demais!

No final de tudo antes de pegar o dinheiro e vazar, a senhora do alto de sua bondade me oferece um café. Recusei porque o cansaço era exaustivo, mas ela insistiu e eu decidi tomar. Conversa de elevador, o tempo, a Inglaterra, ela volta a dizer que as brasileiras são as melhores faxineiras da terra. "Friendly, and like so much your job". Eu concordo sem dizer um piu. Ela sendo faxineira e agora chefe de uma tradicional família muçulmana talvez tenha se esquecido como é ter que trabalhar pra viver. Chega por hoje, see ya Allah.