quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O Trabalho Voluntário (Parte 1)



E então, no meio daquela cidade pequena e ainda desconhecida, estava eu, ansiosa para falar inglês, curiosa pra descobrir o pulsar que rodeava meu novo endereço, queria conhecer pessoas, queria postar fotos feliz com meus novos amigos, queria enfim, dar o start numa história que passava a ser só minha, a minha experiência fora do Brasil.

Pesquisei alguns cursos, coloquei anúncio de babá e faxineira nos murais. Os dias se passavam e nada acontecia. A euforia da chegada havia passado e a vida chamava pra parte séria da coisa. E nada. Foi ai que finalmente criei coragem e decidi bater na porta do trabalho voluntário, que parecia ser um caminho viável.

No centro de Peterborough existem várias lojinhas de doação, as chamadas "Charity Shop", aonde é possível comprar roupas em boas condições por 1 pound, bolsas, sapatos, livros e uma infinidade de coisas que chegam até lá.

Eis que no primeiro contato uma moça muito gentil disse que eu poderia começar quando quisesse. Segunda-feira às 09h, pronta para começar, chego nervosa e sou encaminhada para uma salinha nos fundos da loja. "Hello, Nathália, can you put on the clothes on the table, please?".

Coloquei minha bolsa num ármario que ficava numa cozinha improvisada, respirei fundo, enchi o pulmão de ar e vambora! Dai caiu minha  ficha de que eu e mais uma turma de senhorinhas éramos responsáveis por receber as roupas, separá-las, colocá-las no cabide de numeração certa, passar o stimer e deixá-las prontas para a venda. Nada que uma vendedora de loja convencional não saiba fazer. Mas um detalhe logo me pegou de surpresa: ninguém falava inglês!

Era um tal de entra senhora, sai senhora, chega senhora com carrinho de bebê, chega senhora com netos e brinquedos que tocam musiquinha, e nada do inglês aparecer. Pra mim aquilo ali era russo, mas quem sou eu pra julgar a língua dos outros, né?

Tinha uma senhora muito brava, lábios finos e retos, me lembrou a Red de OITNB. Ela viu que eu estava fazendo algo errado e começou a me dar todas as coordenadas no idioma dela! Eu segurei a risada, porque veja bem minha senhora, estou aqui para praticar inglês o quê é que a senhora tá falando?

E a cada coordenada era um doce que ela me dava. Na primeira vez, com vergonha, não aceitei o picolé de chocolate. E ela mandou um: "Why?" tão forte que peguei o sorvete e fim da história. Roupa vai, roupa vem, era uma pausa para um donut de chocolate. A tarde ia chegando e tacá-lhe doce nessa lojinha! Nesse dia devo ter comido uns 5 doces, e se no começo recusei, depois peguei numa boa. "Mas gente, vocês não falam inglês?", era o que eu pensava a cada mordida.

A moça que me recebeu no começo era a única que falava em inglês comigo, mas eram poucas palavras, frases isoladas e ela passava a maior parte do tempo falando no outro idioma.

"Vamo lá Nathália, é só o primeiro dia, como assim vendi meu carro pra chegar até aqui e desistir logo de cara?", a mente não dava trégua.

Fui trabalhar quarta, quinta e finalmente na sexta, certa de que não seria ali que eu falaria inglês, certa a agradecer a oportunidade e tocar a vida, eis que a moça manda: "Are you Bulgarian, isn't it?" Respondi: "Not, I'm Brazilian" e todas elas caíram na risada, porque naquela altura do campeonato elas tinham certeza que eu falava búlgaro.

Também ri aliviada por entender o que estava rolando, comi o último doce que fora doado e tive certeza de que a história tinha que continuar em outro lugar.