terça-feira, 22 de novembro de 2016

A menina que não podia ser ela mesma




A Menina que Não Podia ser Ela Mesma era muito feliz!  Cantava, falava com as pessoas na rua, gesticulava, ouvia música, sorria, brincava. Mas a menina que não podia ser ela mesma já tinha ouvido diversas vezes que seu jeito era errado. Ouviu que ela falava demais, gesticulava demais, sorria demais, era amiga demais, gritava demais, aonde já se viu ser demais, nesse mundo que quer menos?

E ela não entedia muito bem essas críticas, que muitas vezes vinham embrulhadas como bons conselhos, surgiam como bombons estragados, e que murchavam seu coração, pois, ora, como podia ser melhor fingir ser infeliz ou fingir ser uma pessoa que não era, somente para agradar os outros? Mais: somente para agradar regrinhas de sociedade?

A Menina que não podia ser ela mesma tentava, tentava, tentava, era de um esforço fora do comum. Decidida, atingia sempre os objetivos propostos, conquistava pessoas, mas era analisada, e muitas vezes diminuída pelo seu jeito de ser.

Sorrir não podia, brincar não podia, ficar amiga não podia, parecia que o que as pessoas queriam dela era uma infelicidade velada, uma seriedade fake, um ar de intelectualóide que por vezes ela não tinha, e, ingênua, dizia que não sabia. E era julgada por não saber, era julgada pelas roupas as quais usava, era julgada pelos gritos que dava, era julgada pela intensidade que tinha, era julgada por economizar dinheiro, era julgada por ter uma opnião diferente da dos outros, era julgada por fazer o que tinha vontade sem se preocupar com as consequências, era julgada por não ser ponderada e por viver à flor da pele.

Por muitas vezes, A Menina que não podia ser ela mesma chegava feliz aos lugares e logo levava uma frase ríspida na contramão sem nem saber ao menos porque aquilo estava acontecendo. Talvez, seu maior erro fosse acreditar que as pessoas fossem sempre boas e e esquecer que essas mesmas pessoas também são compostas por falsidade, inveja e ciúme.

Mas em situações em que ela levava um fora sem nem saber o motivo, o alerta amarelo piscava fundo em sua cabeça ao mesmo tempo em que seu coração diminuia e seus olhos enchiam de lágrimas. E aí ela chorava. Chorava por não entender o que essas pessoas queriam, chorava por se sentir esquisita e diferente, mas diferente e diminuída, diferente e excluída. Chorava porque para ela não havia decepção maior do que a de a traição de um amigo.

A Menina que não podia ser ela mesma um dia perdeu um amigo, ele morreu e ela não soube o motivo. E ela não pode se despedir desse amigo no velório ou no enterro, porque ela estava em outro continente. E então ela fez questão de estreitar seus laços, agradecer a todos por estarem vivos, dar bom dia para todos, sorrir, ser gentil, ser amorosa. Ela só queria ser ela mesma, mas os espinhos sempre perfuravam seu coração e necessitava muitos curativos para sará-los.

Até que um dia, A Menina que não podia ser ela mesma, se aproximou das crianças, dos cachorros e das plantas, porque ela sabia que com criança, cachorro e planta não tinha essa de vaidade, ego, ciúme e inveja. Só tinha amor. Ela sabia que a criança não sera falsa porque ela não tem malícia e isso é coisa de adulto. Tãopouco um cão será falso, pois cachorro não tem orgulho. As plantas quando sentem a energia ruim, murcham ou morrem, só vivem e florescem em um ambiente do bem.

Então A Menina que não podia ser ela mesma aprendeu que os seres humanos são esquisitos, e que com gente esquisita e de energia pesada a gente deve se distanciar.

Foi morar em uma cidade que tinha o mar como janela. O reverenciava todas as manhãs ainda que essas fossem de chuva. Se apegou ao que não tem valor e não se compra: viver sempre, todos os dias, da melhor maneira possível, sem dar moral à quem não lhe merecia.

Porque nessa vida nada se leva, e ela, A Menina que não podia ser ela mesma, sabia que não havia outra maneira de existir sem ser ela mesma, inteirinha: risonha, feliz, autêntica, chorona, ingênua e pura.

E assim foi indo até que todas as pessoas que a julgavam foram sumindo e dando espaço para novas pessoas, novas histórias, novas amizades e novos ciclos de amor.

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