quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Turma das antigas


“Nasci em época errada” é o tema de uma comunidade do Orkut. Clichê ou não, a verdade é que me identifiquei logo de cara. Tenho plena certeza de que estou aqui em 2010 a passeio, porque meu coração ficou lá pros idos de 1970. Prefiro o carnaval de marchinhas, o baile de máscaras, os botecos da Consolação, os filmes da Vera Cruz, as casas antigas, os prédios de pastilha, os elevadores revestidos de madeira e com cheiro de mofo, o futebol de Garrincha, Pelé e Zico que incendiou a cidade do Chaves na Copa.

Gosto de Chico moço e Nara viva sem falar de Luiz Gonzaga e seu filho, Tom Jobim, Elis Regina, Clara Nunes, Cartola e Adoniran numa época em que as letras valiam mais do que o ritmo e chorava-se a dor de cotovelo e o término de um romance. Hoje se esquece um amor naufragado com outro cheirando o teu cangote.

Se viva fosse, aproveitaria essa minha profissão pra sair por aí atrás daquilo que faz meu coração bater mais forte: o fim da ditadura, a desigualdade monstruosa do Sertão como contou Graciliano, as canções de protesto, a onda da AIDS, o Brasil esperançoso visto de fora. O rock dos Beatles, a Jovem Guarda e o Tropicalismo, o Woodstock e os hipongas em ascensão. Que graça tem falar disso tudo no passado? Gosto do factual. Colecionaria álbuns de figurinha e ouviria
O caderno de Toquinho na volta às aulas.

Sou fã de novela, mas novela mesmo. Roque Santeiro, Que Rei sou eu?, Selva de Pedra, Dancing Days, O Bem Amado. Viver a Vida? Balela.

Levo como apelido o nome desse país nas costas e quem me dera viver a época em que se brigava por ele com vontade e sangue nos olhos. Todo mundo reunido, por mais que não desse em nada. Reuniões universitárias, movimentos culturais, pensamentos efervescentes, códigos e rimas. Tá na cara que eu ia apanhar da polícia. Sinto falta desse sentimento patriota, das coleções de vinil e telefone de discar vermelho, pesado que só.

As histórias de Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles são exaltadas hoje porque além de continuarem atuais, colocaram a literatura brasileira em destaque no mundo. Mas imagine fazer parte de uma tarde de autógrafo com elas, ler as colunas dos jornais fresquinhos, vê-las em programas de entrevista.
Sei que Lygia ainda é viva, mas agora vive no ostracismo. Nota: (FT picareta tanto fez que consegui entrevistar Clarice, não é lindo?)


Adoro a coleção Vaga-Lume, as enciclopédias Barsa, os brindes dos jornais, os jogos de cozinha e geladeira pequenina que hoje só vejo em foto. Adoro bule, quem hoje em dia usa bule, gente? Nasci em época errada porque sou viciada em bilhetes e a favor das cartinhas de amor (feitas de papel e caneta), vai escrever isso hoje em dia prum carinha que você está apenas afim, pra ver no que dá. Queria usar cabelo pigmalião, calça boca de sino, casaco de ombreira, meia de lurex. É brega demais em 2010. Gosto mais de Cri do que de Crunch.

E viver por um por que, um objetivo mor, mesmo que fosse o de casar e ser feliz pra sempre (naquela época era mais fácil acreditar). Hoje o objetivo é ganhar dinheiro e seguir em frente seja comprometido ou não, assumo por conta própria.

Quem dera viver na São Paulo invadida por Fuscas, Brasílias, Fiats 147, da construção do elevado Costa e Silva, das picaretices de Assis Chateaubriand, da Telesp e seus orelhões laranja. Gosto de Vargas não adianta. As épocas eram mais difíceis sim, e essa liberdade que tanto amo talvez não fizesse parte dos meus dias. Mesmo assim tenho plena certeza de que sou da turma das antigas ainda que só de coração e saudosismo.

2 comentários:

Renato Sansão disse...

É Casé... como diria o outro lá, o tempo não para.

Eu sinto falta de tudo que escreveu aí, mas mais da inocência e das brincadeiras despretensiosas que de qq outra coisa.

Ainda bem que no Carnaval tudo aquilo volta um tantin, né??

Bjo!!!

Mayra Raizi disse...

"Tá na cara que eu ia apanhar da polícia."

impressionante como me identifico com essas suas palavras! haha

essa vida não é pra gente, não...