quarta-feira, 4 de maio de 2016

Pequeno registro


Queria um texto pra poder guardar tudo isso, pra sintetizar tudo isso, pra poder depois rememorar tudo isso. essa cidade pequena e linda, o povo e seus costumes singelos apenas vivendo suas vidas, um predinho silencioso de vizinhança quase inexistente, a ciclovia e os parques cortados pelo rio. o rio. o rio que corta a cidade, que atravessa pontes, que faz sua correnteza ventar gelado à noite, o trilho do trem enorme, o shopping, o supermercado, que até agora foi o lugar aonde mais passei.

Queria um texto que mostrasse com verdadeiro realismo a importância de viver em um outro ritmo de vida, e não é que eu esteja iludida, sem essa de "nossa fora do brasil é bem melhor", é que de verdade uma qualidade de vida maior é possível quando o seu trabalho é parte da sua vida e não o mais importante dela.

Se eu pudesse saia fotografando a terceira idade bem populosa por aqui, com seus carrinhos que se assemelham à muletas, mas têm rodas, essa terceira idade encapotada e acostumada com o vento gelado mesmo com sol no céu, uma terceira idade que se junta na lanchonete pra tomar café quente e comer baguete recheada. Queria um texto que conseguisse extrair a tranquilidade da vida no interior, uma tranquilidade que permeia todas as idades e classe social, embora as classes sociais por aqui não sejam tão distintas como as do Brasil.

Queria poder registrar todas as casinhas e suas janelas com cortinas, umas casinhas que eu penso: não é possível que ali more alguém, nesse silêncio todo, com essa organização toda, cadê bagunça?

Queria muito colocar nessas linhas o cheiro que o prato típido inglês têm. É um cheiro de carne com batatas, mas vem misturado com o cheiro do calor da cozinha, aquele cômodo que une as famílias nunca tá brincadeira, o forno é quente e sai fumaça que embassa o vidro da janela, mas voltando ao prato e aos cheiros, o cheiro do molho gravy é tão gostoso que dá vontade de inundar o prato como se fosse sopa. É ele quem rega as batatas assadas, passa por cima da carne de porco também assada, molha as ervilhas e os yorkshire puddings, um bolinho salgado que nunca vi nada parecido.

Também vale o ensaio de querer registrar que o trânsito é ao contrário. Os carros vão surgindo meio que do nada, surgem do lado direito da rua, umas curvas ao contrário tão nada a ver que não tem como discutir até porque o tráfego funciona tão direitinho e eles respeitam os ciclistas, é lindo de ver, e o melhor, é lindo estar em uma bicicleta e ver os carros parando para você passar, é lindo mesmo.

A vida vai seguindo seu caminho, eu vou ganhando segurança pra desenrolar essa língua, aberta ao novo e sem encrenquinha com o que é diferente, domando a ansiedade que quase me atropela, sentindo os dias, assim mesmo no gerúndio, porque tudo é um processo, a grama não pinica e posso estender minha canga e ensair também os exercícios de pilates que tanto gosto.

Ilusão achar que dá pra registrar tudo isso, desperdício não tentar. Seguindo.

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