domingo, 5 de março de 2023

Pós apocalipse ou depois do Carnaval - parte 1

 Agora que você foi embora, pegou suas últimas peças de roupa, esqueceu alguns potes de purpurina no banheiro azul, por mais que eu tenha implorado pra você ficar, você se foi, Carnaval, e na verdade eu entendi que você tinha que ir, te dei um beijo no rosto e um abraço bem apertado porque agora são mais 300 dias esperando até que você volte novamente etc. 

Agora são 07h de um domingo fresco na cidade de São Paulo e o meu fuso horário continua ativo como se aqui você estivesse. Eu treinei o corpo, os pés e as pernas desde dezembro pra poder aguentar o tranco, e aguentei, mas o fim do ciclo é mais demorado do que eu gostaria e pra ser sincera eu adoraria ainda estar dormindo, mas vou aproveitar essa paz e silêncio pra escrever essa carta pra você.

Esse ano você botou pra quebrar, hein?
Nada como um bom planejamento na ponta do lápis, rascunhando e organizando essa festa gigantesca, linda e perigosa! Você é tão poderoso e fiel que foi tirando as pedras do meu caminho e soprando no meu ouvindo a importância de manter o foco para quando você enfim chegasse. Foi dureza, lágrimas, mas deu tão certo, tão certo que eu apenas consigo te dizer muito obrigada por mais um ano!

Foram 24 dias no Rio passando por Santa Teresa, Nikiti e Botafogo numa catarse sem igual.
A fantasia de Janja, tal e qual combinamos foi um golaço! Dançar de frente pros militares armados num sol de 50 graus ouvindo Beattles, suar o biquini no Ogodô do Aterro e seguir num crack sem nome andando até a Praça XV já com o sol se pondo, pegar o Sinfônica Ambulante estando dentro do grupo de músicos de Nit com meus netos, O Cachorro Cansado lotado que fez com que eu recalculasse a minha rota e cruzasse com bairristas raiz num boteco mais raiz ainda. 

Você me inspira e me guia tanto que eu sempre dou de encontro com pessoas especiais que fluem na mesma energia que eu, e é por isso que eu continuo amando me perder no bloco e me encontrar, pra depois me perder de novo e assim sucessivamente até que os meus calcanhares gritem que chegamos no limite, mesmo o coração querendo sempre mais.

Embaixadores da Alegria, Céu Na Terra e Bloco das Tubas
Os três blocos mais especiais desse ano, pra variar, eu pulei sozinha e não quero parecer egoísta, mas a parada flui melhor assim e eu só posso seguir os ventos que o Carnaval me traz. Na sexta de abre-alas parti pro Buraco do Lume atrás do bloco do Vaca Atolada, eu odeio a sensação de ter perdido o bloco pq pra achar é uma trabalheira danada, mas enfim o achei, e era somente o começo, aquela sensação de "enfim você chegou", de quebra encontrei Manu da Cuíca e a agradeci pelo samba da Mangueira de 2019. O Carnaval e suas surpresas: No samba pós bloco, já no Vaca, na minha Lapa caótica,  eu simplesmente dei de cara com Gleisi Hoffmann -Presidente do PT!-  e a energia era tanta que eu virei a noite tomando cerveja no Amarelinho (sempre muito apaixonada etc), e decidi tomar um cafezinho para então finalmente subir Santa Teresa e pegar o Céu Na Terra no começo!

No trajeto para subir Santa o descontrole começou: Taxistas e Ubers não sobem o morro, eu não subo em moto, e o jeito foi subir nas pernas com um povo que eu cruzei pelo caminho. Santa Teresa esse lugar que eu quase não amo, é pra ir andando? Pois então vamos nessa! (haja cerveja, GT, café, joelho, água, Trident). O dia já estava quente e era apenas 08h da manhã. Meu deus o Céu Na Terra vai sair, que emoção. É claro que meu ego gritou dizendo que eu tinha de estar bonita e com meia arrastão e com sei lá qual tiara, mas o Carnaval muda as rotas, esse pisciano safado decide tudo no meio do caminho e eu estava sem maquiagem, com restos de purpurina e um look totalmente X, mas enfim lavei a alma descendo pelas vielas de Santa, era paralelepípedo e e escadas que não acabavam mais, as ruas abarrotadas de uma gente colorida, livre, feliz e aliviada. É Sábado de Carnaval, porra! O dia mais legal do ano, segue o bloco. Segui, e obrigada mais uma vez, meu amor, por ter me dado a oportunidade de esclarecer uma parada séria no meio do bloco. Ou as mulheres se unem contra a machistada e desmacaram narcisistas baratos e manipuladores, ou esses merdas vão continuar mentindo e enganando mais e mais, aqui não violão, aqui o papo é retão! Fim de bloco.

Uma vez me disseram em tom de deboche: "Você nunca pegou o Bloco das Tubas à noite, né? Não sei se você aguentaria."

Corta pro domingo de Carnaval:
Mariguella não segurou o tranco e descarregou. Era domingo à tarde e o Tubas sairia somente 20h, mas o que é que eu vou fazer até lá, meu St. Antonio? Segui o fluxo atrás de um bar cujo pudesse carregar o meu celular e eternizar esse blocão noturno que sai apenas da Candelária, puta merda!
Deu tudo errado, mas também deu tudo certo, eu me enfiei num inferninho da Lapa, carreguei meu celular, tomei banho (hahahahahaha senhoooora), arrumei briga, chorei, ajudei uma ambulante, cruzei com franceses, ensinei um hipster lindo a chegar na Candelária, quase fui pega por trombadinhas, fiz amizade com mais um ambulante e finalmente depois de todo esse pequeno apocalipse (é bom estar preparado para mais um capítulo ao vivo de The Last os Us), eu encontrei o Bloco das Tubas! Puta que pariu, que blocaço!!!!

Lotado, lindo, emocionante, um bloco que dá olé nos foliões, fingem que vão seguir por um caminho e se enfiam numa ruela paralela fazendo com que a gente volte tudo correndo, à noite, pelo centro do
Rio de Janeiro. Foi tão perfeito que até corda eu fiz, porque eu posso ser de SP, mas se tem uma coisa que eu manjo nessa vidinha é pular bloco no Rio e com licença vou proteger os músicos sim senhor. Joelho um pouco ralado, calcanhares sangrando, tomamos uma chuva homérica, mas a sede do folião depois de 2 anos de pandemia e 4 do pior Governo, a sede de quem enfim tem um Presidente para chamar de seu, a sede de quem se entrega de corpo, alma e coração ao corpo de baile, eu avisei meus pés: infelizmente vocês vão ter de aguentar sim, daqui não saio, daqui ninguém me tira.

No fim, quando eles pararam de tocar, eu tinha andado sei lá quantos quilômetros (sempre muito apaixonada rs, a paquera com homem carioca me pega de um jeito), quando as tubas foram para o alto e as palmas surgiram, só então eu dei por encerrado o domingo de Carnaval e voltei pro hostel (e lá a festa começou novamente com direito a um italiano dizendo que levou o pai na Igreja de Padova, Santo Antônio de Padova e eu de frente pro Cristo só querendo chorar e aliviar a tensão e emoção por tudo o que eu havia vivido naquele domingão). 

Pois bem senhoras e senhores ainda tem muita história para contar desse espetáculo catártico, que me inspira, motivo do meu choro, razão pela qual eu me organizo, brigo e bato o pé, festa pagã perfeita e também cheia de percalços, o assunto que faz com que eu fiquei hoooooras falando sobre, o Carnaval é tão fantástico, lindo e poderoso, meu Carnaval soberano, você sabe, né? Você sabe sim porque eu converso com você, obrigada por TUDO, estamos juntos, estamos fechados! E é como eu disse, escrevi e cravei: Ninguém toca no meu Carnaval.